“Essa cidade é agitada” pensava o jovem Luar,
era ele mesmo de uma terra não tão distante, mas deveras distinta. Sabia que
esse era o primeiro dia do resto de sua vida, e era muito sentida essa mudança,
vivera sempre em um mundo onde as pessoas eram cuidadosas consigo e que lhes
eram como família, os sucos, os doces e bolos de seus vizinhos tios e tias,
amigos primos, primas, alguns quase irmãos. Era dessa origem que surgia ao novo
lar esse jovem, que passara a ser desconhecido, em domínio que ele agora participava.
Os dias foram
passando, novos sons se apresentavam a ouvidas outrora acostumadas a ouvir o
som do saber, muitas informações passaram-lhe a ser comuns, e ele inquietava-se
dentro de si: “O que fazer para entender o que falam esses coadjuvantes de meu
novo mundo?”, era um questionamento interno que fizera. Junto a si, vieram
outros que também partiram em disgreção por aquelas terras. Passara a viver em
uma pequena vila, que se encontrava dentro de uma vila, que por sua vez era
parte de sua nova casa.
“Obrigações”, dizia
ele a si mesmo, tentando entender as condições que aqueles daquela região
viviam. “Tudo tão diferente, tão maior, as pessoas agem como se não vivessem,
quem aqui me será família?” Muitas dúvidas adentravam-lhe o pensamento, ele por
sua vez buscou então conhecer os costumes locais, aquietava-se não em esquinas,
mas no centro de pequenos grupos daquele amontoado de gente, os observava e com
o cuidado dos que se projetaram para a vida buscava nada mudar, não estava em
casa, e estava em casa...
Passaram-se tempos e
ele começara a não ver tão estranho aquele todo, os conhecia, os estudara, os
medira e os pesara. Entendia com detalhes as atitudes dos seus agora locais.
Gozava dos benefícios que suas conexões o trouxeram, também vazios, dúvidas. Algo dele, que lhe era íntimo, parecia sumir.
Isso lhe trazia certa angústia, como ser tão feliz em ambiente tão avesso a
quem ele realmente era. Criara um ser pra si, não era externo a si mesmo, mas
esse “eu” com quem ele se presenteou o fazia ir mais longe lhe dava força. Era
compreensivo consigo. Esse “eu” que só
ele conhecia muitas vezes ansiava por ser visto pelos outros, e ele temia esse
encontro.
A saudade que tinha
de si mesmo o encorajava a romper com esse temor, sentia-se, por momentos, só
em meio a multidões e entendia que a solidão trazia o medo, o medo da
realização de seus desejos e, se enchendo da mais genuína coragem, buscou não
promover o encontro desse “eu” com todo mundo externo, mas sabiamente entendeu
que o todo era feito de partes, que lhes eram conhecidas. Decidiu não pelo confronto com o que traria
feridas e o machucaria, pois isso parecia fazer com que, às vezes, a felicidade
partisse, e ficava apenas uma tristeza em seu peito e uma nostalgia do mundo
feliz da poesia e sons, que só ele conhecia.
Entendia que o outro
não era diferente dele, e que não era preciso esconder sua verdadeira
personalidade. Sabia também que os seus iguais eram tendenciosos a não transparência
e passou a ser referencial do acreditava real. Surpreendia-se com a reação de
muitos pela sua simplicidade em viver, em amar, cuidar, observar, interessar-se
pelo outro, algo que era novo para os outros era tão comum a si. Sempre fora
verdadeiro consigo, sabia de seus medos, desejos, anseios e acima de tudo sabia
da realidade que o rodeava, e sabia também que isso requeria cuidados de tato,
de fala e ação.
Uma revolução
ocorria, não dentro de si apenas, mas dentre os que o rodeavam, passaram a
transparecer das mais diversas maneiras a apreciação que tinham por sua
presença. Era simples e nem sabia como lidar com essa situação, não se
orgulhava de seus atos, mas alegrava-se em saber que o mundo que ele sonhara e
de onde viera era possível ser ampliado, sabia que esse mundo não seria
perfeito, entendia que era composto de outros imperfeitos assim como ele mesmo.
Mas como em uma das canções que ouviu na sua curta e longa experiência de vida
entendia que é da diversidade que se faz o mais belo da vida, e caminhando sob
a lua, ao som de uma canção que só ele entendia o que ela dizia, pensava “Tenho
que ser verdadeiro, a verdade pode dar medo, mas uma vida vivida com medo é uma
vida pela metade”. Transformava o medo do seu verdadeiro em sorriso nos rostos
de seus companheiros na vida e fazia para si um mundo onde poderia lograr viver
a excelência de evidenciar o ser imagem e semelhança do divino.

